Clarice Lispector diz:


O futuro mais brilhante é baseado num passado intensamente vivido. Você só terá sucesso na vida quando perdoar os erros e as decepções do passado. A vida é curta, mas as emoções que podemos deixar duram uma eternidade.
Clarice Lispector

segunda-feira, 7 de maio de 2012

DE BRAÇOS ABERTOS




Adoro fotos com pessoas de braços abertos. Acho lindo! Quando vejo sinto paz e liberdade.
É uma celebração à vida estar de braços abertos, rosto erguido para o céu, os olhos fechados e um leve sorriso.
Hoje no caminho para o trabalho, lembrei um momento especial em que estive assim. Aconteceu no dia 12 de maio do ano passado, em Recife. Depois de dois dias intensos de chuva, fui caminhar na Praia de Boa Viagem, meu coração estava pesado. O sol brando me aquecia, as ondas do mar lambiam meus pés. Uma brisa leve me acariciava o corpo em forma de boas vindas.
 Estava com um vestido alegre, óculos de sol, uma sacola e sandálias nas mãos. Havia poucas pessoas na praia. Crianças brincavam na areia, meninos jogavam futebol, homens batiam papo sentados nas pedras... Caminhei por muito tempo. A tristeza foi acalmando e um sorriso apareceu. Estava relaxada, então uma onda forte molhou metade do meu corpo e não me importei. Sorri. Não enxergava as pessoas a minha volta, sorria e balançava os braços. Olhei a imensidão do mar e agradeci por estar ali. Era só eu, a natureza e Deus. Tudo estava maravilhoso. De repente, um homem gritou:

- Ô minha linda! Venha cá! Ande, venha falar comigo.

Compenetrada em minha alegria, não tinha percebido a presença do homem. Assustada olhei para trás e o vi. Estava sentado há 20 metros, sorri e continuei a andar. Tinha algumas pessoas a minha volta, mas um minuto depois já não via nada a minha frente. Estava tão feliz. Levantei o rosto, abri os braços e rodopiei ao sabor do vento. Então escutei:

- Sua exibiiidaaa!!! Gritou o “tal” homem.

Aquilo me tirou do transe. Que homem chato, pensei.
Caminhei mais alguns metros e cai numa gargalhada. Não percebi o que estava fazendo e nem me importei. Estava fazendo papel de louca. Ri com gosto. Aquele ambiente maravilhoso tinha curado a minha angústia e nada poderia mudar meu bom humor. Minha alma estava alegre. Andei por mais meia hora e voltei com o coração leve e feliz para o hotel.

Na música Raízes do Renato Teixeira ele diz: “Amanhecer é uma lição do universo que nos ensina que é preciso renascer...”
A tristeza em algum momento, chega em nossa vida, o importante é que saibamos aprender com os nossos erros e com as dificuldades para nos fortalecer.. Que saibamos abrir os braços para celebrar a vida e renascer a cada dia!

Abrir os braços, viver e ser feliz.

Com relação à função de abrir os braços, o que mais gosto mesmo é do abraço. Adoro abraçar. Aquele acompanhado de um sorriso é o que mais gosto.
O abraço é uma forma muito íntima de comunicação. É uma troca de energia. Num abraço conseguimos sentir o que outro leva no coração. O abraço é mudo, mas fala mais que mil palavras.

Abrir os braços para sentir o calor gostoso do sol, ou a brisa do vento que sai por entre as árvores e vem abraçar o nosso corpo.
Abrir os braços para aqueles que amamos. Humm!! Como é gostoso abraço de mãe, de pai, dos avós, de amigos, de irmãos, de namorados, do ser eleito para amar e dividir a vida...
Abrir os braços para os velhinhos e crianças órfãs que anseiam por um toque ou por um carinho.
Abrir os braços para os animais de estimação que tanto nos amam.
Abrir os braços para a chuva que vem molhar e alimentar a nossa terra, lavar o nosso chão.
Abrir os braços para lua e as estrelas que iluminam e realçam a beleza da noite dos amantes.
Abrir os braços para a fantasia. Como a criança que imagina mundos encantados cheios de cores e flores.
Abrir os braços para os cheiros. Cheirinho de bebê, de mar, de grama recém aparada, de terra molhada ou do perfume das flores.
Abrir os braços para o amor. O sentimento mais sublime.
Abrir os braços para Deus que permanece com os braços estendidos o tempo todo para nós, diante dos presentes diários que a vida nos oferece.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Entre e Espada e a Rosa – Marina Colasanti




Qual é a hora de casar, senão aquela em que o coração diz "quero"? A hora que o pai escolhe. Isso descobriu a Princesa na tarde em que o Rei mandou chamá-la e, sem rodeios, lhe disse que, tendo decidido fazer aliança com o povo das fronteiras do Norte, prometera dá-la em casamento ao seu chefe. Se era velho e feio, que importância tinha frente aos soldados que traria para o reino, às ovelhas que poria nos pastos e às moedas que despejaria nos cofres? Estivesse pronta, pois breve o noivo viria buscá-la.
De volta ao quarto, a Princesa chorou mais lágrimas do que acreditava ter para chorar. Embotada na cama, aos soluços, implorou ao seu corpo, a sua mente, que lhe fizesse achar uma solução para escapar da decisão do pai. Afinal, esgotada, adormeceu.
E na noite sua mente ordenou, e no escuro seu corpo ficou. E ao acordar de manhã, os olhos ainda ardendo de tanto chorar, a Princesa percebeu que algo estranho se passava. Com quanto medo correu ao espelho! Com quanto espanto viu cachos ruivos rodeando-lhe o queixo! Não podia acreditar, mas era verdade. Em seu rosto, uma barba havia crescido.
Passou os dedos lentamente entre os fios sedosos. E já estendia a mão procurando a tesoura, quando afinal compreendeu. Aquela era a sua resposta. Podia vir o noivo buscá-la. Podia vir com seus soldados, suas ovelhas e suas moedas. Mas, quando a visse, não mais a quereria. Nem ele nem qualquer outro escolhido pelo Rei.
Salva a filha, perdia-se, porém a aliança do pai. Que tomado de horror e fúria diante da jovem barbada, e alegando a vergonha que cairia sobre seu reino diante de tal estranheza, ordenou-lhe abandonar o palácio imediatamente.
A Princesa fez uma trouxa pequena com suas jóias, escolheu um vestido de veludo cor de sangue. E, sem despedidas, atravessou a ponte levadiça, passando para o outro lado do fosso. Atrás ficava tudo o que havia sido seu, adiante estava aquilo que não conhecia.
Na primeira aldeia aonde chegou, depois de muito caminhar, ofereceu-se de casa em casa para fazer serviços de mulher. Porém ninguém quis aceitá-la porque, com aquela barba, parecia-lhes evidente que fosse homem.
Na segunda aldeia, esperando ter mais sorte, ofereceu-se para fazer serviços de homem. E novamente ninguém quis aceitá-la porque, com aquele corpo, tinham certeza de que era mulher.
Cansada mas ainda esperançosa, ao ver de longe as casas da terceira aldeia, a Princesa pediu uma faca emprestada a um pastor, e raspou a barba. Porém, antes mesmo de chegar, a barba havia crescido outra vez, mais cacheada, brilhante e rubra do que antes.
Então, sem mais nada pedir, a Princesa vendeu suas jóias para um armeiro, em troca de uma couraça, uma espada e um elmo. E, tirando do dedo o anel que havia sido de sua mãe, vendeu-o para um mercador, em troca de um cavalo.
Agora, debaixo da couraça, ninguém veria seu corpo, debaixo do elmo, ninguém veria sua barba. Montada a cavalo, espada em punho, não seria mais homem, nem mulher. Seria guerreiro.
E guerreiro valente tornou-se, à medida que servia aos Senhores dos castelos e aprendia a manejar as armas. Em breve, não havia quem a superasse nos torneios, nem a vencesse nas batalhas. A fama da sua coragem espalhava-se por toda parte e a precedia. Já ninguém recusava seus serviços. A couraça falava mais que o nome.
Pouco se demorava em cada lugar. Lutava cumprindo seu trato e seu dever, batia-se com lealdade pelo Senhor. Porém suas vitórias atraíam os olhares da corte, e cedo os murmúrios começavam a percorrer os corredores. Quem era aquele cavaleiro, ousado e gentil, que nunca tirava os trajes de batalha? Por que não participava das festas, nem cantava para as damas? Quando as perguntas se faziam em voz alta, ela sabia que era chegada a hora de partir. E ao amanhecer montava seu cavalo, deixava o castelo, sem romper o mistério com que havia chegado.
Somente sozinha, cavalgando no campo, ousava levantar a viseira para que o vento lhe refrescasse o rosto acariciando os cachos rubros. Mas tornava a baixá-la, tão logo via tremular na distância as bandeiras de algum torreão.
Assim, de castelo em castelo, havia chegado àquele governado por um jovem Rei. E fazia algum tempo que ali estava.
Desde o dia em que a vira, parada diante do grande portão, cabeça erguida, oferecendo sua espada, ele havia demonstrado preferi-la aos outros guerreiros. Era a seu lado que a queria nas batalhas, era ela que chamava para os exercícios na sala de armas, era ela sua companhia preferida, seu melhor conselheiro. Com o tempo, mais de uma vez, um havia salvo a vida do outro. E parecia natural, como o fluir dos dias, que suas vidas transcorressem juntas.
Companheiro nas lutas e nas caçadas, inquietava-se, porém o Rei vendo que seu amigo mais fiel jamais tirava o elmo. E mais ainda inquietava-se, ao sentir crescer dentro de si um sentimento novo, diferente de todos, devoção mais funda por aquele amigo do que um homem sente por um homem. Pois não podia saber que à noite, trancado o quarto, a princesa encostava seu escudo na parede, vestia o vestido de veludo vermelho, soltava os cabelos, e diante do seu reflexo no metal polido, suspirava longamente pensando nele.
Muitos dias se passaram em que, tentando fugir do que sentia, o Rei evitava vê-la. E outros tantos em que, percebendo que isso não a afastava da sua lembrança, mandava chamá-la, para arrepender-se em seguida e pedia-lhe que se fosse.
Por fim, como nada disso acalmasse seu tormento, ordenou que viesse ter com ele. E, em voz áspera, lhe disse que há muito tempo tolerava ter a seu lado um cavaleiro de rosto sempre encoberto. Mas que não podia mais confiar em alguém que se escondia atrás do ferro. Tirasse o elmo, mostrasse o rosto. Ou teria cinco dias para deixar o castelo.
Sem resposta, ou gesto, a Princesa deixou o salão, refugiando-se no seu quarto. Nunca o Rei poderia amá-la, com sua barba ruiva. Nem mais a quereria como guerreiro, com seu corpo de mulher. Chorou todas as lágrimas que ainda tinha para chorar. Dobrada sobre si mesma, aos soluços, implorou ao seu corpo que lhe desse uma solução. Afinal, esgotada, adormeceu.
E na noite sua mente ordenou, e no escuro seu corpo brotou. E ao acordar de manhã, com os olhos inchados de tanto chorar, a Princesa percebeu que algo estranho se passava. Não ousou levar as mãos ao rosto. Com medo, quanto medo! Aproximou-se do escudo polido, procurou seu reflexo. E com espanto, quanto espanto! Viu que, sim, a barba havia desaparecido. Mas em seu lugar, rubras como os cachos, rosas lhe rodeavam o queixo.
Naquele dia não ousou sair do quarto, para não ser denunciada pelo perfume, tão intenso, que ela própria sentia-se embriagar de primavera. E perguntava-se de que adiantava ter trocado a barba por flores, quando, olhando no escudo com atenção, pareceu-lhe que algumas rosas perdiam o viço vermelho, fazendo-se mais escuras que o vinho. De fato, ao amanhecer, havia pétalas no seu travesseiro.
Uma após a outra, as rosas murcharam, despetalando-se lentamente. Sem que nenhum botão viesse substituir as flores que se iam. Aos poucos, a rósea pele aparecia. Até que não houve mais flor alguma. Só um delicado rosto de mulher.
Era chegado o quinto dia. A Princesa soltou os cabelos, trajou seu vestido cor de sangue. E, arrastando a cauda de veludo, desceu as escadarias que a levariam até o Rei, enquanto um perfume de rosas se espalhava no castelo.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Janelas da Felicidade




Quando eu contava com 4 anos, eu morava em Los Angeles, na Califórnia. A minha casa era muito bonita, uma casa ampla num imenso jardim. Certo dia de primavera, eu cheguei à janela e olhei no jardim. Meus dois irmãos estavam chorando porque a cadela chiuaua havia morrido. Eu detestava aquele animal, que me arranhava, que me latia. Mas, porque os meus irmãos estavam chorando eu fiquei comovida. Solidária, chorei com eles. Quando eu estava chorando, meu avô chegou perto de mim e perguntou:
  • Rute, por que você está chorando?
  • Eu expliquei. Então ele me disse : - Saia dessa janela e venha comigo. Atravesse a sala. Olhe aqui a outra janela. Olhe pro jardim. Lembra-se da roseira que nós plantamos?
  • Sim, vovô!
  • Veja como está rica de botões, com algumas rosas abrindo.
  • É verdade avozinho.
Ele saltou-se da janela e eu também. Corremos na direção da roseira e ele colocou uma rosa no meu nariz e disse:
  • Aspire o perfume. Eu aspirei. Ele perguntou: - Está contente?
  • Sim. Falei sorrindo.
  • Voltemos a sala. Me pediu.
E quando ficamos no centro da sala, ele disse que iria me dar um conselho:
  • Na vida de todos nós, há sempre duas janela abertas. Uma que olha para a tristeza, para o sofrimento e outra que olha para a alegria, para a felicidade. A verdadeira sabedoria consiste em quando estiver na janela da tristeza, lembrar-se que atrás está aberta a janela da felicidade. Saia e vá para ela. E quando estiver lá, lembre-se de que atrás de você alguém está chorando ou sofrendo. Saia e reparta. Distribua sol. A vida é um poema de felicidade”. Eu nunca me esqueci.

 
Extraído do o livro “Eu me amo. Eu Não tenho vícios.” - Ferramentas espirituais contra os vícios. do Divaldo Franco. (o livro é uma transcrição de um seminário realizado em Baltimore, Maryland , EUA, em 2005). Neste livro, Divaldo relata uma mensagem que educadora e escritora americana Rute Stout, deu a alguns jovens.
Achei muito bonita, então digitei e resolvi dividir com vocês. Espero que gostem.

sábado, 14 de abril de 2012

Sonhe


Sonhe com aquilo que você quer ser,
porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.
As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.
A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passaram por suas vidas.

Clarice Lispector

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Minha Grande Paixão



Aconteceu num mês de Julho, no litoral nordestino. Já no primeiro dia de férias, o sol ardia escaldante em minha pele e foi ali, caminhando na areia que encontrei minha grande paixão.
Fiquei parada por alguns minutos fascinada admirando toda aquela beleza. Depois fui me aproximando lentamente como se estivesse em transe. Ele veio ao meu encontro e molhou minhas pernas, sorri e começamos a brincar. Eu não parava de sorrir, parecia uma criança inocente que descobrira o mundo. Estava maravilhada! Como ele era bonito, grande e intrigante! Como era linda e suave a música que ele entoava! Sentia uma felicidade indescritível. Em meu íntimo, eu sabia que tinha me apaixonado perdidamente.
Passei o dia inteiro ao seu lado brincando, flertando e simplesmente sentindo o seu perfume que a brisa carregava. Às vezes me distanciava para tomar um pouco de sol e então ele continuava brincando ora com as crianças ora com os adultos. Percebi que existia algum magnetismo nele, pois todos estavam sempre ao seu lado sorrindo ou brincando.
No fim da tarde permaneci um bom tempo em seus braços para me despedir. Fiz promessas de que voltaria. E foi assim, durante os 15 dias que passei naquele lugar houve um ritual entre nós; eu chegava, ele beijava os meus pés e eu caia em seus braços, depois ficávamos brincando, caminhando na areia, tomando água de coco, assistindo o pôr-do-sol. À noite, adormecia escutando sua canção e sentindo seus braços me embalando como uma criança.
O dia da minha partida chegou com lamentos, o coração angustiado apertava em meu peito. Passamos o dia inteiro juntos, fizemos as mesmas coisas. No fim da tarde, demorei naquele abraço morno, depois me distanciei acenando num adeus mudo. Tristeza e alegria misturavam dentro de mim. Não chorei! Fui embora com muita saudade e com a certeza de que voltaria sempre para o meu grande amor: o meu querido mar .


Joelma

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Medida de Significação



Procurei-me nesta água da minha memória
que povoa todas as distâncias da vida
e onde, como nos campos, se podia semear, talvez,
tanta imagem capaz de ficar florindo...

Procurei minha forma entre os aspectos das ondas,
para sentir, na noite, o aroma da minha duração.

Compreendo que, da fronte aos pés, sou de ausência absoluta:
desapareci como aquele — no entanto, árduo — ritmo
que, sobre fingidos caminhos,
sustentou a minha passagem desejosa.

Acabei-me como a luz fugitiva
que queimou sua própria atitude
segundo a tendência do meu pensamento transformável.

Desde agora, saberei que sou sem rastros.

Esta água da minha memória reune os sulcos feridos:
as sombras efêmeras afogam-se na conjunção das ondas.

E aquilo que restaria eternamente
é tão da côr destas águas,
é tão do tamanho do tempo,
é tão edificado de silêncios
que, refletido aqui,
permanece inefável.


II

Voz obstinada, por que insistes chamando
por um nome que não corresponde mais a mim?
Não é do meu propósito que fiques ao longe sozinha.

Nem tu sabes que espécie de saudade abrolha na noite
e como o silêncio tenta mover-se inutilmente,
quando diriges teus ímãs sonoros,
sondando direções!
Não é do meu propósito, ó voz obstinada,
mas da minha condição.

As aparências dispersaram-se de mim,
como pássaros:
que sol se pode fixar nesta existência,
para te definir a minha aproximação?

Minhas dimensões se aboliram nos limites visíveis:
como podes saber onde me circunscrevo,
e de que modo me pode o teu desejo atingir?

Eu mesma deixei de entender a minha substância;
tenho apenas o sentimento dos mistérios que em mim se equilibram.

Como podes chamar por mim como às coisas concretas,
e assegurar-me que sou tua Necessidade e teu Bem?


III

Pela experiência do teu contentamento,
crio formas que vistam meus pensamentos irreveláveis,
e modelo fisionomias com que te possa aparecer.

Pisarei minha solidão com renúncia e alegria
e, por entre caminhos assombrados,
resoluta virei até onde te encontres,
cortando as sombras que crescem como florestas.

Eu mesma me sentirei alucinada e esquisita,
com êsse alento das nebulosas sinistras
que se desenvolvem nas febres.

Não saberei precisamente quando me verás,
nem si compreenderei a linguagem que falas,
e os nomes que teem as tuas realidades
e o tempo dos outros acontecimentos...

Mas o que, desde agora, sinto e sei com firmeza
é que tua voz continuará chamando por mim, obstinada,
embora eu não possa estar mais perto nem mais viva,
e se tenha acabado o caminho que existe entre nós,
e eu não possa prosseguir mais...


IV

A água da minha memória devora todos os reflexos.
Desfizeram-se, por isso, tôdas as minhas presenças
e sempre se continuarão a desfazer.

É inútil o meu esforço de conservar-me;
todos os dias sou meu completo desmoronamento:
e assisto à decadência de tudo,
nestes espelhos sem reprodução.

Voz obstinada que estás ao longe chamando-me,
conduze-te a mim, para compreenderes minha ausência.
Traze de longe os teus atributos de amargura e de sonho,
para veres o que dêles resta
depois que chegarem a êstes ermos domínios
onde figuras e horas se decompõem.

Não precisaremos falar mais nem sentir:
seremos só de afinidades: morrerão as alegorias.
E saberás distinguir as coisas que perecem desoladas,
olhando para esta água interminável e muda,
que não floriu, que não palpitou, que não produziu,
de tanto ser puramente imortal...


 Cecília Meireles
In Viagem, 1939



A BORBOLETA E O CASULO



Um dia, uma pequena abertura apareceu em um casulo, um homem sentou e observou a borboleta por várias horas conforme ela se esforçava para fazer com que seu corpo passasse através daquele pequeno buraco.
Então pareceu que ela parou de fazer qualquer progresso.
Parecia que ela tinha ido o mais longe que podia, e não conseguia ir mais longe.
O homem decidiu ajudar a borboleta.

Pegou uma tesoura e cortou o restante do casulo.
A borboleta saiu facilmente, mas seu corpo estava murcho e tinha as asas amassadas.
O homem continuou a observar a borboleta porque ele esperava que, a qualquer momento, as asas dela se abrissem e esticassem para serem capazes de suportar o corpo, que iria se afirmar a tempo.
Nada aconteceu!
Na verdade, a borboleta passou o resto da sua vida rastejando com um corpo murcho e asas encolhidas. Ela nunca foi capaz de voar.
O que o homem, em sua gentileza e vontade de ajudar, não compreendia era que o casulo apertado e o esforço
necessário para a borboleta passar através da pequena abertura eram o modo com que Deus fazia com que o fluido do corpo da borboleta fosse para as suas asas de modo que ela estaria pronta para voar uma vez que estivesse livre do casulo.

Algumas vezes, o esforço é justamente o que precisamos em nossa vida.
Se Deus nos permitisse passar através de nossas vidas sem quaisquer obstáculos, ele nos deixaria aleijados.
Nós não iríamos ser tão fortes como poderíamos ter sido.
Nós nunca poderíamos voar.

Eu pedi força...   E Deus me deu dificuldades para me fazer forte.
Eu pedi sabedoria...E Deus me deu problemas para resolver.
Eu pedi prosperidade...E Deus me deu cérebro e músculos para trabalhar.
Eu pedi coragem...E Deus me deu perigo para superar.
Eu pedi amor...E Deus me deu pessoas com problemas para ajudar.
Eu pedi favores...E Deus me deu oportunidades.

Eu não recebi nada do que pedi...
Mas eu recebi tudo de que precisava.